sábado, 4 de dezembro de 2010

não por obrigação


Eu nunca fui muito ligada a minha família. Sempre nas festas em que todos nós nos reuníamos, eu ficava em meu computador, no chat ou escrevendo. Quando meus primos, tios e avós saíam, eu sempre recusava, inventava uma festa, ou dizia que estava com sono e que queria dormir. Enfim, eu nunca dei muita bola para ninguém da minha família. Na minha cabeça, os membros da família saem e dizem que se amam apenas por serem do mesmo sangue. Por obrigação. Eu não conseguia ser falsa e fingir o mesmo. Eu pensava assim, até acontecer a tragédia que mudou minha vida e a minha forma de pensar.
A matriarca da família era minha bisa. Por já ter um pouco de idade, nem sempre ela estava falando muito, dançando, andando, mas sempre estava presente em todos os eventos, sempre com um sorriso no rosto. Ela adorava contar aos seus netos e bisnetos a história de sua vida, mas sempre que me chamava para perto eu colocava meu iPod. Ficava ali do lado, mas escutando minhas músicas. Não fazia ideia de onde ela tinha vindo, do
s seus amores, de suas escolas, de seus amigos. Não sabia nem o nome do meu biso, que falecera antes mesmo de minha mãe nascer.
Um dia eu acordei e vi minha mãe chorando muito no telefone. Fiquei ali, parada, em pé, em frente a ela. Aquela cena partiu meu coração. Minha mãe era uma pessoa muito alegre, eu nunca a tinha visto chorar. Não daquele jeito. Quando desligou o telefone, caminhou em minha direção, me deu um abraço e só o que consegui escutar foi "a bisa... ela se foi". Não sei o que me aconteceu, cai em lágrimas também. Não sei se foi porq
ue minha mãe estava chorando daquele jeito, ou pela morte da minha bisa. Não sei o que aconteceu, mas eu estava chorando. E chorando como nunca havia chorado antes.
Um mês depois daquele dia, fomos à casa dela, separar as coisas, empacotar, guardar. Sobre a mesa tinha uma caixa com um papel sobre ela onde estava escrito "Para Júlia. Espero que agora você se interesse por mim. Beijos, da sua bisa, que te ama
demais.". Mais lágrimas cairam de meus olhos. Abri a caixa, enquanto os outros iam entrando na casa. Queria ver sozinha o conteúdo. Estava assustada, afinal, eu era a bisneta que menos lhe davaatenção, e a única que havia recebido um presente.
Dentro da caixa havia um iPod novo. Mais moderno e rosa, minha cor preferida. Nele havia um bilhete escrito "Assim como você, eu também adorava música. Use-o em qualquer ocasião, menos quando alguém tiver querendo te contar algo. Pode ser algo interessan
te.". Além do iPod, com o qual fiquei muito feliz, havia um diário e nele havia uma dedicatória. "Para a minha bisneta querida, sei que na sua idade a família não é algo importante, mas espero que ao ler o meu diário você mude de opinião. Escrevia nele todos os dias, e sabia que meu dia estava chegando. Assim, preparei o embrulho e o deixei para você. Espero que goste. Milhões de beijos, da sua bisa que te ama tanto, mesmo longe.". Voltei para casa, dormi, e no dia seguinte fui para o parque ao lado da minha casa. Levei o diário, e comecei a ler. Cada palavra me trazia mais emoção. Minha bisa havia passado por guerras, havia lutado para conquistar o amor de sua vida, havia fundado ONG's, ajudado pobres, doentes. Minha bisa havia sido uma heroína, uma mulher de fibra, forte, um exemplo, e eu havia desperdiçado aquilo. Como eu havia recusado sair com ela, ouvir, da sua boca, a sua história maravilhosa? Ia todos os dias naquele mesmo parque, ler aquele diário, que mais parecia ser a biografia da mulher mais incível do mundo. Já havia lido aquele diário dezessete vezes, mas não me cansava de fazer aquilo. Ler suas palavras me levava pra mais perto dela. Me trazia para mais perto de minha família, que passei a valorizar mais.
Arrependo-me até hoje de não ter dado o devido valor que ela merecia, mas nunca é tarde para mudar. De fato eu nã
o tenho como tê-la de volta, mas tenho como repassar a sua história, repassar os seus valores e assim, distribuir um pouqinho dela para todos que estão ao meu redor, para toda a minha família, que eu tanto amo, não por obrigação.
Finalmente eu passei a entender o verdadeiro significado da palavra família e acho que era isso que minha bisa queria
, ao deixar o seu diário para mim.
(6ª edição roteiro projeto Bloínques - 1o lugar - nota 9,9 - Tema: 10 Ortografia: 9,7 Criatividade: 10)

4 comentários:

  1. Nossa, que lindo *-*
    Sempre devemos valorizar a nossa família, porque ela sempre vai estar do nosso lado.

    Amei o texto, ficou demais!
    Beijos :*

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  2. Que perfeito, incrivel, mravilhoo...
    Ficou mt bom, seu blog é bem legal.

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  3. Nossa... família é uma coisa séria e complicada;
    Que bom que a personagem aprendeu a valorizar...

    Beijo.

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  4. Me lembra o livro Menina de Vinte :)

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